terça-feira, novembro 21, 2006

pausa

Ontem lembraram-me aquele silêncio tremendo que Antony protagonizou no recente concerto do Teatro Circo. A meio de "I Feel in love with a Death Boy", calou-se. Na penumbra, apenas uma silhueta em frente ao microfone. E uma sala suspensa, a conter a respiração para não ser ruído.

Às vezes, apetece mesmo parar tudo. Uma pausa de mil compassos para respirar, saborear, repetir. Para estremecer.

país de pândegos

É uma coisa muito portuguesa isso de dizer mal do que é nosso e deitar um olho gordo e guloso para o lado. Também com os políticos, o que é manifestamente injusto.

Atentemos no humor nacional, por exemplo. Em ironia fina, descaramento, subtileza e arrojo não ficamos atrás de ninguém.

Primeiro, há um ministro autor da melhor piada do ano, quiçá da década, aquela de que os bancos estavam a agir de boa-fé. Ainda hoje tenho que fazer um esforço para não desatar à gargalhada! Depois, um ex-primeiro-ministro, facto que por si só anedótico, que escreve(?!!) um livro e resolve chamar-lhe "Percepções e Realidade". Há ousadia bastante em saber rir de si mesmo, assumindo publicamente aquele problema. E, por fim, o incontornável Rui Rio, a gozar descaradamente connosco. Again! Desta vez a pilhéria está estampada pela cidade em outdoors e mupis: uma menina de olhos fechados exibe um ar enlevado, acompanhada pela frase "Sinta a animação da cidade". Cortesia da C. M. do Porto!

Aproveitando a deixa publicitária, como diria o outro, "parecendo que não, facilita". Nos tempos que correm, para sentir algum tipo de animação no Porto, só mesmo fechando os olhos e imaginando. Com muita força!

segunda-feira, novembro 20, 2006

o que não está lá

Sou uma leitora sôfrega. Tamanha é a urgência com que me faço aos textos que muitas vezes me acontece ler o que lá não está. Ora inverto sílabas, acrescento orações inteiras, substituo palavras. Vou na rua e qualquer palavra impressa me prende o olhar: suportes de publicidade, parangonas de jornais abandonados, toldos, paredes rabiscadas. A estranheza do resultado - a minha escrita alternativa é sempre estranha - alerta-me e sei que é mais um dos meus momentos em que vejo o que se projecta por entre as brechas de realidade. Mas essa é uma outra história.

Ler um texto apaixonadamente é insistir na vertigem e esperar que a queda seja a de Alice no país das maravilhas. Mesmo correndo o risco de perder a cabeça.

Claro que são raros os livros que me precipitam, assim como são raríssimos os autores que vivem lá em casa. Como disse Georges Steiner, ler é "estarmos prontos a receber em nossa casa um convidado", mesmo sendo possível que venha para destruir ou incendiar, que nos roube e deixe vazios. Se alguns são visitas, outros ganham o estatuto de hóspedes, velhos amigos que entram e saem a seu bel-prazer.

Isto para dizer que li, num livro de Cortázar onde se agrupam vários contos, uma história fantástica que só ele podia ter imaginado e escrito. Sei-lhe o título, o enredo e o desfecho. Sei que a li na língua original, acho até que consigo visualizar a mancha de texto. Só que não está lá. Nem no livro, exemplar físico que guardo em casa, nem, suspeito, em nenhuma das muitas edições de Bestiário que existam por esse mundo fora. E só me apercebi disso quando, meses depois da primeira leitura, quis lá voltar. E era tão claro, tão inequívoco, que ali devia estar que insisti, folheei, reli o índice, voltei atrás. Nada. Ainda hoje me acontece ficar sentada no sofá, olhar o livro na estante e acreditar. Acreditar que um dia vou ser capaz de reconstruir o percurso, abrir o livro no sítio certo e reler um dos melhores contos que Cortázar escreveu.

sexta-feira, novembro 10, 2006

humores

Uma amiga diz-me que devo estar apaixonada pois ando particularmente gentil. Quer ela dizer que eu, no meu estado normal, em repouso, sou bem mais brutinha.